Gazeta Mercantil – Plano Pessoal | 19/05 – 00:57
Memória afetiva, resgate e auto-estima
São Paulo, 19 de Maio de 2009 –
Todo ano era sagrado. Quando chegavam as férias de julho, a família Rosenbaum entrava no carro e viajava em direção ao sul do Brasil, mais especificamente para as cidades de Joinville e Blumenau. “Naquela época eu apenas curtia, mas hoje eu entendo que meu pai queria resgatar suas origens alemãs. Era uma viagem emocional”, diz Marcelo Rosenbaum. Durante a aventura, eles aproveitavam para abastecer a casa com produtos comprados em Foz do Iguaçu, por exemplo. “A família inteira se envolvia na compra de um tapete ou de uma estátua”, diz.
Rosenbaum nasceu em Santo André, na Grande São Paulo, em uma família de classe média com “algum acesso”. Mas fazia questão de frequentar a piscina pública da cidade, onde tinha muitos amigos. Um deles, o Sombra, era seu companheiro inseparável. Um dia, foram convidados a participar de uma competição no Clube Harmonia, clube da classe alta paulistana e o amigo foi barrado na porta por ser negro. “Eu também não entrei, em solidariedade a ele, e não entendia como alguém podia barrar a entrada de alguém em um clube por ser negro”, diz.
Esse é o universo de Marcelo Rosenbaum. O arquiteto, decorador e designer fez do resgaste da brasilidade e da inclusão social a marca registrada de seu trabalho. É fácil identificar em seus projetos a razão de seu sucesso. Ele não tem preconceito. Para decorar a cozinha de uma das edições da Casa Cor, escolheu cadeiras de plástico espaguete, daquelas que ainda se vê nas varandas de cidades do interior. Crochê, estátua de barro, móveis retrô, santos, bancos caipiras, fotografias, manto de maracatu: ele mistura tudo e entrega. Mas com uma condição. De que tudo tenha autenticidade.
Mesmo que ainda seja procurado para projetar ambientes de luxo, como o restaurante Dalva e Dito, de Alex Atala, Rosenbaum sente-se cada mais seduzido em atender as classes C e D. “Eles entendem o que eu falo”, diz. O profissional está cada vez mais envolvido com essa turma. Depois de virar celebridade nacional ao aceitar o convite de Luciano Huck para apresentar o programa “Lar Doce Lar“, exibido aos sábados na Rede Globo, onde reforma e entrega casas e apartamentos decorados, ele fala aos ouvintes da Rádio Globo diariamente sobre assuntos ligados a seu universo. Faz palestras para os índios no Amazonas e para funcionários da Infraero. Está envolvido na capacitação dos desabrigados das enchentes de Blumenau para que eles, com patrocínio da Suvinil, possam pintar seus abrigos e descubram alguma vontade de recomeçar a vida em um lugar mais colorido. Também acaba de lançar uma nova marca, a Rosenbaum de Coração, que está se empenhando, junto com a empresa de licenciamentos Redibra, para conseguir parceiros com o intuito de expandir a sua criatividade (estampas para cadernos, papéis de parede etc). Foi do seu escritório no bairro de Pinheiros, que Rosenbaum falou à Gazeta Mercantil. Cercado pelos objetos que colecionou a vida inteira, ele explica porque o seu trabalho tem tanta repercussão entre as classes menos abastadas.
Gazeta Mercantil – O que você fazia quando era adolescente?Eu estudava em colégio particular e passava a maior parte do meu dia na piscina pública. Meu melhor amigo, Sombra, era negro. Ele morava em uma casa precária. Nessa época, viemos para São Paulo competir no clube Harmonia e ele não pôde entrar porque era negro. Eu não sabia que isso podia existir. Foi um choque. Fiquei do lado de fora do clube. Se ele não podia entrar, eu também não iria entrar.
Gazeta Mercantil – Gazeta Mercantil – Mas quando você começou a trabalhar?Com dezessete anos eu fazia reforma e decoração de loja e cursava arquitetura. A mãe de uma namorada da época comprou um box para vender roupa e eu pedi para fazer. Eu mesmo construí a loja. E sempre deu muito certo desde o começo.
Gazeta Mercantil – E depois? Eu não terminei a faculdade de arquitetura porque fui para Alemanha trabalhar em um escritório de design, em 1993. Fiquei em Munique. Fui depois para Berlim no ano seguinte. Voltei e comecei a fazer objetos com design. Sempre quis trazer humanidade para marcas. Aprofundei-me nisso.
Gazeta Mercantil – O que acha de designers que criam sob encomenda? Tem que ser assim. Essa questão é muito interessante porque o Brasil tem um parque industrial muito grande e rico. Mas ele nunca foi focado para o mercado interno e para a inovação. O parque moveleiro cresceu com uma tecnologia surpreendente, com preço competitivo, com projetos estrangeiros e duvidosos. Sempre para a massa. No mundo inteiro, não dá para dizer que o design popular teve uma atenção especial. Eles cresceram, mas sem design, só fazendo cópia. Hoje, com as políticas monetárias, esse parque começou a querer entender o mercado interno e trazer novidade. Só que essa cultura não existia.
Gazeta Mercantil – Não existia visão? Se não há design, porque há a necessidade de profissionalizar o mercado, criar uma faculdade? Não há motivo. Tudo é muito novo no país. Ainda mais agora que o mundo está em crise. Agora não existe mais opção. O mundo olha para o mercado interno. O design brasileiro está borbulhando.
Gazeta Mercantil – Fale um pouco da sua experiência na loja Teto. A Teto foi um case fantástico. Eu fiquei dois anos na loja. Montei o conceito e os produtos. Criamos, eu e meu sócio na época Sérgio Fix, uma marca com identidade, eventos que interligavam a moda, a arte, a música e o mobiliário no mesmo espaço. Era uma loja guerrilha. Em um sábado. a gente vendia tudo, apareciam cerca de 700 pessoas. O mundo assim é hoje, tudo interligado.
Gazeta Mercantil – Você fala com vários públicos. Clientes particulares, empresas, o público que te assiste na TV e te ouve no rádio. Eu volto para a experiência da natação. Eu ficava com meu amigo Sombra e com a elite do ABC. Isso é natural para mim. Quanto mais eu falo que quero trabalhar para as classes C e D, mais a elite me procura. O meu desejo é fazer a Rosenbaum de Coração vingar em larga escala, mas eu não vou largar a minha identidade.
Gazeta Mercantil – Quando a elite te contrata, o que ela quer? O meu pensamento. É muito legal o que está acontecendo. Somos procurados pelo que somos. Eu trabalho a humanidade, a brasilidade, a memória dos espaços, a inclusão. Eu viajo muito pelo Brasil, dou palestras.
Gazeta Mercantil – Sobre o que você fala? Empresas como o Sebrae, Suvinil, Bosch, Black & Decker e até faculdades me chamam. Eu apresento o meu processo de pensamento. Não explico se azul combina com rosa. Eu mostro que o importante é o gosto. Falei com a Infraero no ano passado para uma platéia de 1.200 pessoas. Foi uma experiência fantástica. Estavam lá o presidente e a funcionária mais simples. Todo mundo ficou quieto. Eu fiquei arrepiado. Esse público me entende, eles percebem que eu falo de auto-estima. Eu falo que me inspiro no maracatu, que pego móvel no lixo para usar na Casa Cor.
Gazeta Mercantil – Como é a casa dos seus pais? Já fez intervenções lá? Ah, eu já reformei várias casas da minha família… Meus pais sempre tiveram muita noção de estética, aprendi muito com eles, eles curtem muito a casa. Fazíamos muitas viagens para o sul do País – meu pai é alemão. Íamos para Joinville e Blumenau, mas antes a gente passava em Foz do Iguaçu para comprar tapete, estátua. Era uma aventura. A gente ficava horas escolhendo o tapete para a sala. E ao mesmo tempo, ir para lá era a forma do meu pai resgatar a família. Era a colcha de retalhos deles.
Gazeta Mercantil – O que é a Rosenbaum de Coração? O primeiro produto dessa empresa é o programa de rádio, Decoração pra você, na rádio Globo AM. Começamos em dezembro. Impactei 32 milhões de pessoas desde então. Tem o blog também, são cinco mil pessoas que visitam (www.rosenbaum.com.br). A idéia é abrir o espectro e atingir cada vez mais pessoas.
(Gazeta Mercantil/Caderno D – Pág. 4)
(Cinthia Rodrigues)